Protesto Não É Crime

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Nessa terça (21), às 19h15, as advogadas Eloísa Samy, ativista dos direitos humanos presa em julho no Rio de Janeiro, Cynthia Pinto da Luz, assessora jurídica do CDH e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem de Advogados do Brasil) em Joinville, e militantes dos movimentos populares locais participam do debate “Criminalização dos movimentos sociais”, na Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc.

Por aqui, a onda de criminalização começou em 14 de agosto do ano passado, após as jornadas de junho reduzirem os valores das tarifas e trazerem avanços no debate sobre mobilidade urbana no Brasil. Na data, movimentos sociais como a Frente de Luta pelo Transporte e o MPL (Movimento Passe Livre) protestaram numa reunião do Conselho da Cidade, na Sociedade Harmonia Lyra, em Joinville. Após uma dobradiça ser supostamente quebrada um militante passou a ser processado sem provas.

Somando esse processo, nos últimos 14 meses foram contabilizadas 21 ações judiciais contra cinco ativistas dos movimentos populares que lutam pela Tarifa Zero no município. Percebendo essa criminalização crescente das empresas do transporte coletivo contra os movimentos sociais o MPL, o CDH e outras entidades decidiram lançar nessa segunda (20) a campanha Protesto Não é Crime. No mesmo dia, durante a tarde, às 15h40, no Fórum da Comarca de Joinville, haverá uma manifestação em solidariedade a um dos militantes processados, que estará em audiência judicial.

Na terça (21), Eloisa Samy, advogada que foi presa e pediu asilo político ao Uruguai em julho, falará sobre a experiência traumática e o cenário de criminalização no Rio de Janeiro. A ativista foi acusada de formação de quadrilha, detida na véspera da final da Copa do Mundo, e solta após a assinatura de um habeas corpus pelo juiz Siro Darlan. O mesmo recurso libertou na época mais 22 pessoas detidas arbitrariamente. Na sexta (24), as entidades também se reúnem para o Ato Nacional Pela Tarifa Zero, promovido em todo o país pelo MPL. A concentração para a manifestação será às 18h, na Praça da Bandeira, ao lado do Terminal Central.

Agenda – Protesto Não é Crime

Terça (21) – Debate “Criminalização dos movimentos sociais” – com Eloísa Samy
Evento: https://www.facebook.com/events/619105884865156/

Quarta (21) – Ato Nacional Pela Tarifa Zero
Evento: https://www.facebook.com/events/768147143252356/

Campanha Assédio Zero no Zarcão une coletivos para mudar realidade de abusos

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Desnaturalizar o assédio no transporte público, incentivar as mulheres a denunciarem os abusos sofridos nos ônibus de Joinville e cobrar políticas públicas dos governos sobre essa problemática são os principais objetivos da campanha Assédio Zero no Zarcão. A iniciativa lançada nessa segunda (25) por movimentos sociais como o Coletivo Mulher na Madrugada e o Movimento Mulheres em Luta segue com panfletagens nos terminais do Centro, Norte e Sul durante toda a semana.

Na quarta (27), às 19h15, no Anfiteatro 1 da Univille (Universidade Regional de Joinville), organizadores da campanha participarão de uma mesa de debate sobre a violência contra a mulher no transporte coletivo. Na quinta (28), a discussão sobre o tema será às 19h15, no Anfiteatro da Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc.

Vítimas ou testemunhas de abusos também poderão acessar o blog http://assediozero.wordpress.com/ e o site Chega de Fiu Fiu – http://chegadefiufiu.com.br – para denunciar e compartilhar suas histórias.
Hoje, sabemos que a realidade de violência contra as mulheres é crescente e cada vez mais alarmante. Não é preciso ir muito longe para constatar isso. Aqui mesmo, em Joinvile, essa violência ocorre todos os dias no famoso “zarcão”. Nesse espaço há vários casos de assédios sexuais, passadas de mão, encoxadas e outros tipos de abusos.

Para mudar esse panorama o poder público precisa investir no transporte coletivo e em infraestrutura urbana. Transporte público 24 horas e iluminação dos pontos de ônibus são medidas urgentes na busca de mais segurança para as mulheres. Também é preciso que esse tipo de transporte, utilizado por grande parte da população, seja de fato público e tenha sua frota ampliada para que o assédio sexual nos “zarcões” deixe de existir.
A campanha Assédio Zero no Zarcão é organizada pelo Coletivo Mulher na Madrugada, Movimento Mulheres em Luta, MPL (Movimento Passe Livre), Sinte/SC (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina) regional Joinville, Sindsaúde (Sindicato dos Trabalhadores em estabelecimentos de Saúde Público Estadual e Privado de Florianópolis) e Pstu (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado).

A iniciativa também tem apoio do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Univille, do DCE Ielusc, do Calhev (Centro Acadêmico Livre de História Eunaldo Verdi) e da AACOM (Associação Atlética de Comunicação).

Sobre marchar e mostrar os peitos

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foto de Renan Bejarano – Coletivo Metranca

Por que protestar? Por que marchar? Precisa mesmo parar o trânsito? Ah, mas não precisa mostrar os peitos né? Frases como essas são comuns em conversas sobre protestos e marchas. Se o debate for sobre a Marcha das Vadias a discussão se torna ainda mais complexa. Em qualquer tipo de conversa sobre o tema o Coletivo Mulher na Madrugada dirá que sim: é preciso protestar, é necessário marchar e parar o trânsito, e mostrar ou não os peitos é um direito e uma escolha da mulher.

Para os movimentos sociais o protesto é uma ferramenta democrática indispensável no enfrentamento contra a sociedade capitalista. E, para o movimento feminista, a Marcha das Vadias é uma forma prática de chamar a atenção dessa mesma sociedade consumista e patriarcal sobre a violência sofrida diariamente pelas mulheres. A luta contra agressões físicas e psicológicas, opressões no próprio ambiente familiar e no âmbito profissional não começou com a marcha, mas se fortalece com ela.

O calendário mundial de protestos das vadias começou em 2011 no Canadá depois que um policial militar afirmou que, se não se vestissem como vadias, as mulheres não seriam violentadas. A partir de lá, anualmente cidades de todo o mundo organizam seus protestos contra o machismo. Se unindo a esse movimento, o Mulher na Madrugada esteve na Marcha das Vadias de Curitiba no mês passado e deverá participar de outras marchas nos próximos meses. Quem vem com a gente?

Nota: Protesto não é crime!

O Coletivo Mulher na Madrugada vem à público declarar todo apoio à campanha Protesto não é Crime. A ação foi lançada pelo Coletivo Anarquista Bandeira Negra nesse mês de junho como uma resposta à onda de criminalizações sofridas por alguns companheiros que participaram das últimas manifestações contra o aumento da passagem do transporte coletivo em Joinville.

Em agosto de 2013 uma das manifestações do Movimento Passe Livre resultou em uma dobradiça quebrada na porta da Socidedade Harmonia Lyra. A partir disso o Estado escolheu uma pessoa para culpar e processar por esse que seria um “prejuízo”.

No início desse ano, após outra manifestação do MPL (depois de terminado o ato, quando não havia mais concentração de pessoas na praça e, principalmente, quando não havia mais nenhuma ameaça contra a ordem e a segurança) cerca de 20 policiais que estavam em sete viaturas da Polícia Militar pararam um ônibus na avenida Getúlio Vargas. O motivo? Uma manifestante carregava sua bicicleta dentro do ônibus. A ordem? Para que ela descesse do coletivo.

Preocupada, e também porque quem estava no ônibus afirmou não se incomodar com a presença da bicicleta (o coletivo não estava lotado e o fiscal do Terminal Central havia permitido o transporte do veículo no seu interior) a garota se negou a descer sozinha. Ainda assim, o capitão da PM insistiu na ordem. Como um dos manifestantes tentou negociar, resolveu prender três pessoas por desacato e sob a alegação de que impediam o seu trabalho. Duas dessas prisões renderam novos processos – uma delas não teve continuidade porque um vídeo que registrou o momento mostrou o capitão Venera, responsável por essa operação, ameaçando de morte o civil algemado.

O trabalho do Movimento Passe Livre gera opiniões distintas, mas independente delas, a questão é: quais prejuízos uma dobradiça quebrada representa à população joinvilense? E, em contrapartida, qual o perigo de termos um policial militar ameaçando civis de morte? Vale lembrar que o capitão Venera já contabiliza outros tantos boletins de ocorrência contra abuso de autoridade.

Quando o estado arma uma emboscada, para prender quem se propõem a denunciar as contradições da cidade, e não trata com seriedade as denúncias contra o abuso de poder por parte dos militares, ele cria o clima de tensão de onde nasce o que chama de vandalismo e que depois tenta criminalizar. Quando o estado é conivente com o monopólio ilegal do transporte coletivo, com a atuação irregular do Conselho da Cidade, e não demonstra tanta disposição em criminalizar outros problemas que a população enfrenta com a mesma veemência com que decide prender e marginalizar quem pretende reivindicar direitos, o Estado perde o seu prestígio e sua função que, claramente, passa a ser a de servir apenas para defender os privilégios daqueles que enriquecem com as desigualdades sociais.

Protesto não é crime!

Violentar a população e negar o seu direito à construção da sociedade da qual fazemos parte é.

O Coletivo Mulher na Madrugada presta toda solidariedade aos companheiros processados.

A palmada só desloca a fralda, só espalha a merda

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As crianças são arteiras. Ouvi uma história de criança que contava sobre uma menina em processo de alfabetização. Escreveu o nome na parede da sala e foi repreendida pela mãe. Tentou negar a autoria, mas a mãe explicou à filha que reconheceu sua travessura por se tratar de seu nome e de sua letra. No outro dia a menina escreveu MAMÃE na parede, com a mão esquerda, e tentou sair ilesa.  Escrever e desenhar em grandes superfícies como muros e paredes são crimes, conforme a constituição brasileira, precisamente no artigo 65 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, com a seguinte redação:

Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1o  Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.

§ 2o  Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” (NR)

O pixo, como também chamam de forma mais descontraída a esse tipo de inscrição, é considerado crime ambiental no Brasil. Durante a semana do meio ambiente, são muitos os trabalhos escolares que exibem árvores, muitas flores, sol, rio, grama e frutas. Neles, o meio ambiente não é apenas um cenário de concreto e o desejo de seus autores não reside fechado em um prédio.

Em abril desse ano, algumas fotos foram penduradas numa árvore na Praça da Bandeira em Joinville. Essas imagens lembravam presos políticos, desaparecidos e/ou torturados durante o regime militar brasileiro. O ato foi organizado por muitas entidades populares, estudantes e trabalhadores com o objetivo de expurgar suas dores. A árvore foi cortada. O desmatamento, a construção de prédios, o aterro de rios, são atividades que resultam da construção do espaço da cidade conforme os interesses de quem dispõe dos meios, e não por vontade da maioria das pessoas. Não somos consultados, mesmo que a árvore tenha um valor simbólico para uma pessoa ou grupo, nem que ele esteja devidamente expresso. Vale lembrar também que se um cidadão deseja fazer uso da palavra livre na Câmara de Vereadores precisa ter um CNPJ (a pessoa precisa ser empresa para ter voz) ou então precisa que um vereador ceda esse espaço, precisa estar parelho.

As tensões sociais transformam a cidade num organismo vivo. E, mesmo que algumas pessoas alimentem o desejo de morar numa maquete, “limpinha”, não são apenas os prédios que têm direitos, mas também, e principalmente, as pessoas. A violência do pixo, a violência da tinta, do tapume existem e compõem o cenário urbano, mas não registram tantas mortes, nem contabilizam tanta dor quanto a lógica da propriedade privada que faz nascer a pobreza, a miséria e as desigualdades sociais. A esmagadora maioria dxs pixadorxs no Brasil são jovens que moram nas periferias. Pixar uma parede é uma atitude efêmera que não impede a parede de cumprir sua função de parede. Prender e infligir os malefícios do cárcere a um jovem e sua família não pode ser considerada uma resposta equivalente. Entender a pixação como parte do cenário urbano pode representar uma visão muito fatalista para muita gente que tende a discordar e insistir na pena. Mas mesmo o mais ingênuo dos profetas pode admitir que a arte do bom viver mora na decisão sobre contra quem levantamos nossas vozes.

Talvez o pixo não resolva os problemas do jovem que inscreve na cidade suas angústias, suas necessidades, suas reflexões, ou apenas o seu nome, a sua existência. Talvez o pixo o transforme num renomado artista com exposições disputadas em grandes galerias, como o pixador londrino Banksy ou os irmãos brasileiros que ficaram conhecidos como “Gêmeos”. Mas é seguro que a prisão sistêmica de jovens não emudecerá a cidade nem lhe apagará suas marcas ao ponto de sobrar todo o espaço desejado pelos publicitários de outdoor. Talvez a mãe da história citada tenha dado uns bons tapas na filha, ou tenha feito a menina engolir o giz. Ou talvez ela tenha lhe mostrado o quintal, lhe ensinado a subir em árvores de onde se vê o horizonte de cima. E talvez hoje o que reúna de maior valor seja a poesia das histórias.

 

Conforme consulta no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12408.htm

Repúdio às mídias irresponsáveis na cobertura do caso de Mara

Informações apressadas e posteriormente desmentidas pela Polícia Civil pautaram os meios de comunicação desde que o corpo da estudante Mara Tayana Decker, 19 anos, foi encontrado numa casa na zona Sul de Joinville, no dia 3 de maio. Além dos jornais locais divulgarem de forma equivocada que ela teria entrado sozinha no táxi e ido até uma casa no bairro Vila Nova, o programa Cidade Alerta, da Rede Record, mostrou no dia 6, em rede nacional, uma simulação repleta de inverdades que trouxeram ainda mais dor à família, aos amigos da vítima e ao coletivo Mulher na Madrugada.

Na matéria divulgada na semana passada a Rede Record simulou um encontro de Mara e do segurança Leandro Emílio da Silva Soares, 26 anos, que assumiu a autoria do crime, dentro da casa noturna onde ambos estiveram na madrugada de primeiro de maio. A narração chegou a dizer, de forma irresponsável e sem confirmação oficial de que os dois tivessem se falado no bar, que uma suposta noite de amor entre a estudante e o segurança se transformou em morte. O encontro dentro do estabelecimento comercial não existiu e o programa sensacionalista demonstrou, mais uma vez, a falta de cuidado e de sensibilidade com a dor humana.

O vídeo foi retirado do ar depois de ser desmentido ao vivo e de forma contundente pelo delegado regional de Polícia Civil, Dirceu Silveira Júnior, durante o Cidade Alerta de Santa Catarina. No entanto, no dia 7, o programa nacional voltou a exibir a simulação sem fundamento numa versão editada. Nessa quarta (14), a Polícia Civil finalizou o inquérito que manterá Leandro preso aguardando julgamento no Presídio Regional de Joinville. Nesta semana, a Divisão de Homicídios voltou a destacar que Mara e Leandro não estavam juntos na casa noturna. O coletivo Mulher na Madrugada repudia o posicionamento da Rede Record, se solidariza com a família da estudante na luta pela não criminalização da vítima, e reforça que não, Mara não teve culpa.

Nota de apoio aos grêmios das escolas Marli Maria e João Costa

A palavra escola não nomeia apenas um lugar, mas também uma prática: fundamentalmente a de construir conhecimento a respeito da nossa relação com o mundo.  Porque a vida é coletiva, a escola se constitui como uma pequena comunidade e seus feitos se desenham a partir das demandas comunitárias. Numa sociedade que sofre com o individualismo egoísta, experiências coletivas representam um capítulo importante da lição pedagógica.

Nos assustou profundamente os recentes conflitos envolvendo estudantes e direção escolar quando da tentativa de organização e atuação através dos grêmios pelos estudantes. A agremiação estudantil é de grande importância para se experimentar a dificuldade de discutir ideias, de se constituir como a um agente responsável por uma prática e de, pelo ensaio tátil, apreender a escola.  Mas na escola estadual Marli Maria, localizada no bairro Paranaguamirim, e na escola municipal João Costa (e certamente em outras periferias joinvilenses) a autonomia estudantil ameaça o confortável sossego das pessoas que se prestam ao ditado e que sofrem de ouvido entupido. O mundo é polifônico, toda maturidade pode compreender isso. Proibir assembleias, ameaçar integrantes da agremiação são posturas inaceitáveis numa perspectiva educacional que deve se orientar a partir da consciência e não da força. O grêmio é um instrumento para expressar os anseios estudantis, de muita importância para o diálogo da comunidade escolar.

O Coletivo Mulher na Madrugada, motivado pela experiência revolucionária de afirmar a autonomia feminina, vem a público manifestar sua solidariedade aos grêmios estudantis e aos estudantes  que  estão enfrentando dificuldades em construir a sua própria agremiação. Quando estudantes questionam a estrutura escolar se pautando pelo direito à escola pública de qualidade, o Estado, por intermédio de suas instituições, precisa usar da força para maquiar sua fragilidade.

Articulação não é crime, todo apoio aos grêmios estudantis.

Nota de apoio à família de Mara Decker

A violência de gênero está diretamente ligada às relações de poder do homem sobre a mulher. A cultura do machismo impõe a submissão das mulheres de diferentes modos, colocando-as como objeto de desejo e propriedade do homem. É privado à mulher o direito ao próprio corpo. A construção de uma identidade de gênero está cercada por paredes de repressões simbólicas. Estruturas, muitas vezes erguidas nos espaços coletivos da sociedade. A escola, a família, a boate, o transporte público. O machismo é sistêmico.

Quando noticiado o caso de estupro, em geral, parece ser um caso isolado, resultado de uma exceção às regras do convívio social. Porém, os coletivos feministas têm denunciado o machismo e como a sociedade estimula ideias e atitudes que menosprezam a vontade feminina, que objetificam a mulher e, quando não, culpabilizam-na pela violência da qual é vítima. É mais comum, por exemplo, associar o estupro à roupa usada pela mulher do que às inúmeras propagandas televisivas que incentivam o assédio ou aos programas humorísticos que naturalizam e debocham desse tipo de agressão. Enquanto essa produção sistêmica do lucro pelo corpo funcionar, enquanto os ambientes de construção da opinião coletiva promoverem esse discurso, a vítima continuará a ser responsabilizada. E a violência continuará engordando números. O relato do assédio sexual (na rua, no trabalho, na família) é comum a muitas mulheres brasileiras, inclusive ainda na infância. E nada disso tem que ver com sua roupa ou seu itinerário, senão que apenas com o fato de que insistimos em tratar os homens como animais fadados ao instinto, sem qualquer capacidade de raciocínio e humanidade.

Recentemente, a cidade de Joinville assistiu a um episódio duro de agressão motivada pela cultura machista e, novamente, a opinião pública se voltou contra a vítima. Mara Decker, de 19 anos, foi encontrada morta pela polícia e a suspeita é de que tenha sido morta depois de sair de um bar às 04h30 da madrugada. O que motivou manifestações públicas nos jornais não foi só o modo trágico como morreu mas, principalmente, o fato de estar num bar, de sair de madrugada. Também nessa semana, o jornal Folha de São Paulo noticiou a morte por linchamento de uma mulher acusada por seus assassinos de “roubar crianças para rituais de magia negra”. Segundo a polícia, não há nada que prove o envolvimento da vítima com o sequestro de crianças. A família sofre sua perda e a sociedade sofre seu retrocesso, incentivado por personagens midiáticos, apresentadores e reprodutores de um discurso ofensivo e repressivo que usufruem de um espaço público estrategicamente ocupado para manter funcionando uma estrutura que garante privilégios associados à classe, à sexualidade, à etnia etc.

Não basta apontar os dedos e propor uma explicação reducionista ao problema da violência, assentada na ideia primária de que a mulher deve evitar as “situações de risco”, como se as relações sociais não fossem resultado do acúmulo de nossos atos.
Guardemos nossas opiniões vazias motivadas pela aba de comentários e procuremos desconstruir as verdades absolutas. Essa caça às bruxas terminará com uma enorme fogueira que reduzirá todas as nossas potencialidades à pó.

O Coletivo Mulher na Madrugada vem à público prestar toda sua solidariedade à família da Mara, sobretudo para dizer que dividimos essa dor e que esse coletivo existe com o ideal de construir uma sociedade outra, em que a mulher não esteja automaticamente exposta à violência por ser mulher, em que ela tenha o direito à madrugada, à roupa de sua escolha, aos seus desejos e prazeres. E que essa liberdade se estenda amplamente a outros grupos minoritários também cerceados. De uma vez por todas, nos interessa promover uma sociedade em que esses atos de violência não encontrem eco no fervor do ódio, na natureza desumana da reprodução instantânea, no costumeiro ato de dilacerar as teclas do julgamento de forma cômoda e covarde e não fazer mais do que manter essa estrutura tão dura e opressiva. É tempo de protagonizar o fazer político através de lições de solidariedade e coletividade.

Hoje o dia é de luto por todas as mulheres.

Carta aberta às organizações de luta

“O Coletivo Mulher na Madrugada nasceu do encontro”, no vazio da madrugada. Somos mulheres e homens que desejamos questionar a maneira como a sociedade se estrutura, com relações de dominação de mulheres pelos homens. Relações estas que são construídas historicamente, e certamente ultrapassam o âmbito econômico, mas que só serão superadas em conjunto com o fim de todas as opressões.

Não acreditamos que haja no feminismo uma vanguarda especial, de um movimento, partido ou organização que detenha todas as respostas às mudanças sociais de que precisamos. Acreditamos que todos, em grupos, devemos caminhar lado a lado no avanço da luta pela igualdade. A sociedade é heterogênea e assim deve ser e é o feminismo. Ele deve ultrapassar as muretas universitárias e ou coletivos feministas de mulheres para fazer parte da ordem do dia de todas as organizações. Precisamos ter como consenso que a luta feminista é estratégica para alterar a ordem vigente.

Os problemas das mulheres não estão isolados e fazem parte de um sistema de exploração a que mulheres e homens negros, LGBTs, indígenas, pobres e deficientes também estão submetidos. Entendemos que este sistema capitalista se apropria do domínio sob o qual as mulheres vivem, através de uma ideologia própria, mídia, sistema de trabalho, sexualidade e dogmas religiosos, para agravar a desigualdade econômica, pois isto serve aos interesses do funcionamento deste sistema. É um dos seus pilares fundamentais.

Entretanto, acreditamos que é equivocada a posição de que apenas a superação deste sistema colocaria fim ao machismo ou que a luta pelas especificidades da opressão do universo feminino divide a luta de todos. A sociedade, bem como os trabalhadores, são compostos por mulheres – e negros, gays etc – e ignorar seus universos e suas pautas é abrir mão de avançar em questões urgentes, como por exemplo, femicídio e estupro.

Por isso, o Coletivo Mulher na Madrugada é aberto a todas e todos que queiram avançar no debate feminista com a perspectiva ampla e plural. E afirmamos, é preciso que sejamos feministas na prática, não apenas em textos ou no dia 8 de março. É preciso mais que um ‘quadro’ – militante de destaque com grande acúmulo feminista, é urgente que dentro de nossos coletivos e organizações avancemos em consensos que coloquem o debate feminista em evidência. Precisamos disputar a hegemonia feminista em todos os espaços e isso só acontecerá se entendermos, finalmente, que o feminismo é mais um passo da luta.

Saudações feministas!